Não
faz muito tempo o afamado historiador Leandro Karnal em explanação sobre a onda
conservadora e reacionária que assola o país nos últimos tempos disse que não
citaria em sua fala o nome de certo parlamentar que se converteu no dossel
dessa corrente de pensamento. Em tom jocoso, o historiador deu margem à
interpretação de que tal nome – se invocado – atrairia mau presságio, como nas
crendices dos mais antigos quando se referiam ao diabo por meio de alcunhas.
Não deixa de ter sentido a precaução
do historiador Karnal. Afinal, o excesso de exposição desse nome tem reforçado
a idolatria a esse personagem que se vale de sua imunidade parlamentar para ser
porta-voz dos histerismos dos setores mais reacionários de nossa sociedade.
Acostumado à proteção que a função
legislativa lhe concede, Jair Bolsonaro coleciona um rosário de imprecações
grotescas, declarações infelizes e sentenças preconceituosas que demonstram não
somente o seu estrabismo político, mas sobretudo daqueles que o apoiam.
Em
1999, por exemplo, numa entrevista concedida ao programa “Câmera Aberta”, da TV
Bandeirantes, Jair Bolsonaro revelou pensamentos como “O Brasil só vai melhorar
"quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. Fazendo o
trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil, começando com o FHC.
Não deixar pra fora, não, matando. Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem,
tudo quanto é guerra morre inocente"
(https://www.buzzfeed.com/alexandrearagao/em-1999-bolsonaro-defendeu-tortura-e-guerra-civil-matando?utm_term=.xq8EMBbD1m#.wv2ZqyDPY3).
No mesmo programa, o deputado
defendeu o fechamento do Congresso Nacional – porque “não funciona” – , a
aplicação da tortura no Brasil, e deu como conselho algo que ele diz praticar
sempre que pode: a sonegação de impostos, que é crime previsto na lei nº 4.729, de 14 de Julho de 1965, criada pela Ditadura
Militar que ele tanto defende! Parece que Bolsonaro é fiel ao
militarismo somente no que lhe interessa.
Por conta da proximidade do Dia da Consciência Negra, 20 de Novembro, dia de Zumbi, outra declaração dada pelo deputado em abril deste ano voltou a repercutir nas mídias. Bolsonaro revelou que “Se depender de mim, todo cidadão vai ter uma arma de fogo dentro de casa. Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”. Argumentou que terras indígenas e quilombolas possuem riquezas e que não devem, portanto, ficar nas mãos deles. Não revelou a quem seriam entregues às terras expropriadas dos indígenas e dos quilombolas. Porém, em tom preconceituoso e racista disse que visitou um quilombo – também não revelou qual – e que lá encontrou pessoas desocupadas e obesas, sendo que “O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles”. (http://justificando.cartacapital.com.br/2017/04/04/nem-um-centimetro-para-quilombola-ou-reserva-indigena-diz-bolsonaro/).
Nem para “procriador” ele serve
mais. A frase, obviamente, dentro do contexto em que foi emitida – referindo-se
a um quilombola – remete a resquícios escravocratas, quando havia entre os
escravizados aqueles que tinham a função de procriador, de gerador de filhos
que seriam escravizados para ampliar o lucro dos fazendeiros! Lastimável!
Mais lastimável ainda é perceber o
quão distante da realidade está a frase dita pelo deputado. Pior ainda é saber
que existem pessoas que acreditam em suas estapafúrdias declarações como se
revelassem a verdade dos fatos.
Ocorre
que no último final de semana, precisamente no domingo, dia 12 de novembro, o
SESC de Sorocaba, com apoio do ITESP (Fundação Instituto de Terras do Estado de
São Paulo), promoveu uma feira quilombola, reunindo barracas com produtos do
trabalho de diversas comunidades quilombolas do Estado. Produtos agrícolas,
artesanais, gastronômicos, uma infinita diversidade que bem representa a luta
pela sobrevivência dos quilombolas.
O que se viu nessa feira foi o rosto
de trabalhadores que com o suor de seu rosto buscam formas de trabalho aliado
às suas matrizes culturais com o intuito de prover o sustento de seu corpo e da
sua alma. Do que se depreende das declarações de Bolsonaro, a preocupação dele
não é com a vida dessas pessoas, mas com as “riquezas” dessas terras e com a
possibilidade de exploração das mesmas, não por quem legitimamente as possui
hoje, mas, provavelmente por aqueles que sempre usurparam e exploraram o
trabalho dos menos assistidos. Novamente se vislumbra a tragédia de nossa
história escorada em genocídios, torturas, exploração e perseguição ao povo
brasileiro.
Porém, a Feira Quilombola do SESC
Sorocaba teve a felicidade de proporcionar um contraponto a tudo isso. Mostrou
a realidade vivida por essas comunidades e revelou o trabalho e a valorização
cultural que se prima nesses territórios.
Muito distante da preconceituosa e
infeliz declaração do deputado que costuma utilizar-se de pirotecnias para
exaltar a sua figura, já que lhe faltam outros predicados. Uma visão política
distorcida aliada a uma falta de programa político. Parece que já vimos algo
semelhante na eleição de 1989. E o arrependimento amargo que nos sobreveio
poucos anos depois.
Carlos
Carvalho Cavalheiro
14.11.2017