quinta-feira, 26 de julho de 2018

sábado, 21 de julho de 2018

Livro: "Entre o sereno e os teares"

O tambu repicava célere no momento em que o pardo Trindade percebeu a presença de Benedita que requebrava os quadris, segurando uma ponta da saia comprida, dançando o batuque. Passava da meia noite e as labaredas da fogueira já não mais tentavam ofender a abóboda celestial. Porém, nos pés dos dançadores, o ânimo continuava o mesmo, alimentado pelo álcool e pelo prazer do exercício do corpo em liberdade.
Naqueles idos do final do século XIX, em Sorocaba, o batuque tinha de ser realizado nos arrabaldes, pois qualquer reclamação poderia servir de pretexto para a repressão policial. Dizer sobre arrabalde naquela época não tem a mesma conotação de hoje. O que se considerava como “afastado do centro” é atualmente a região central da cidade. Para os lados da Praça Frei Baraúna, por exemplo, era comum a ocorrência do batuque. As residências de famílias estavam um pouco mais distantes, permitindo esses poucos espaços de liberdade de expressão para os negros que reverenciavam os seus ancestrais com a música e a dança.(...)

LANÇAMENTO JULHO - Adquira diretamente com o autor o livro ENTRE O SERENO E OS TEARES (capa dura) de Carlos Carvalho Cavalheiro por e-mail: carlosccavalheiro@gmail.com

Edição Costelas Felinas - livros e revistas artesanais.



Primeiro romance de Carlos Carvalho Cavalheiro, conta a história de um malandro e de uma operária vivendo na cidade de Sorocaba nos anos 1920 a 1930.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

O primeiro vereador negro de Sorocaba

No início da década de 1950 atuava como vereador em Sorocaba o senhor Luiz Leopoldino Mascarenhas, que se destacava por ser o primeiro negro a ocupar o Legislativo sorocabano, mas também por defender posições que eram demandas do movimento pela igualdade. Luiz Pequeno, como era conhecido, foi biografado no livro "Nossa gente negra", de autoria de Carlos Carvalho Cavalheiro. O então vereador era militante negro há décadas, tendo participado ativamente da Frente Negra Brasileira, na década de 1930.
Na edição de 4 de julho de 1951, do jornal Cruzeiro do Sul (foto abaixo), Luiz Mascarenhas solicita a intervenção da Câmara Municipal nas questões relacionadas ao racismo em Sorocaba e ao não cumprimento da Lei Afonso Arinos (que tornava crime o racismo). Mascarenhas denuncia escolas que impediam o acesso da população negra na cidade. Antes mesmo do boicote aos ônibus, liderado por Martin Luther King (1955), nos Estados Unidos, e que deu origem ao movimento pelos direitos civis naquele país, Luiz Leopoldino Mascarenhas lutava em Sorocaba pela igualdade das pessoas.

Pesquisa: Carlos Carvalho Cavalheiro.

domingo, 19 de novembro de 2017

O estrabismo político de Bolsonaro e a Consciência Negra

 Não faz muito tempo o afamado historiador Leandro Karnal em explanação sobre a onda conservadora e reacionária que assola o país nos últimos tempos disse que não citaria em sua fala o nome de certo parlamentar que se converteu no dossel dessa corrente de pensamento. Em tom jocoso, o historiador deu margem à interpretação de que tal nome – se invocado – atrairia mau presságio, como nas crendices dos mais antigos quando se referiam ao diabo por meio de alcunhas.
            Não deixa de ter sentido a precaução do historiador Karnal. Afinal, o excesso de exposição desse nome tem reforçado a idolatria a esse personagem que se vale de sua imunidade parlamentar para ser porta-voz dos histerismos dos setores mais reacionários de nossa sociedade.
            Acostumado à proteção que a função legislativa lhe concede, Jair Bolsonaro coleciona um rosário de imprecações grotescas, declarações infelizes e sentenças preconceituosas que demonstram não somente o seu estrabismo político, mas sobretudo daqueles que o apoiam.

            Em 1999, por exemplo, numa entrevista concedida ao programa “Câmera Aberta”, da TV Bandeirantes, Jair Bolsonaro revelou pensamentos como “O Brasil só vai melhorar "quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. Fazendo o trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil, começando com o FHC. Não deixar pra fora, não, matando. Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente" (https://www.buzzfeed.com/alexandrearagao/em-1999-bolsonaro-defendeu-tortura-e-guerra-civil-matando?utm_term=.xq8EMBbD1m#.wv2ZqyDPY3).

            No mesmo programa, o deputado defendeu o fechamento do Congresso Nacional – porque “não funciona” – , a aplicação da tortura no Brasil, e deu como conselho algo que ele diz praticar sempre que pode: a sonegação de impostos, que é crime previsto na lei nº 4.729, de 14 de Julho de 1965, criada pela Ditadura Militar que ele tanto defende! Parece que Bolsonaro é fiel ao militarismo somente no que lhe interessa.
           Por conta da proximidade do Dia da Consciência Negra, 20 de Novembro, dia de Zumbi, outra declaração dada pelo deputado em abril deste ano voltou a repercutir nas mídias. Bolsonaro revelou que “Se depender de mim, todo cidadão vai ter uma arma de fogo dentro de casa. Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”. Argumentou que terras indígenas e quilombolas possuem riquezas e que não devem, portanto, ficar nas mãos deles. Não revelou a quem seriam entregues às terras expropriadas dos indígenas e dos quilombolas. Porém, em tom preconceituoso e racista disse que visitou um quilombo – também não revelou qual – e que lá encontrou pessoas desocupadas e obesas, sendo que “O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles”. (http://justificando.cartacapital.com.br/2017/04/04/nem-um-centimetro-para-quilombola-ou-reserva-indigena-diz-bolsonaro/).
            Nem para “procriador” ele serve mais. A frase, obviamente, dentro do contexto em que foi emitida – referindo-se a um quilombola – remete a resquícios escravocratas, quando havia entre os escravizados aqueles que tinham a função de procriador, de gerador de filhos que seriam escravizados para ampliar o lucro dos fazendeiros! Lastimável!
            Mais lastimável ainda é perceber o quão distante da realidade está a frase dita pelo deputado. Pior ainda é saber que existem pessoas que acreditam em suas estapafúrdias declarações como se revelassem a verdade dos fatos. 
        Ocorre que no último final de semana, precisamente no domingo, dia 12 de novembro, o SESC de Sorocaba, com apoio do ITESP (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo), promoveu uma feira quilombola, reunindo barracas com produtos do trabalho de diversas comunidades quilombolas do Estado. Produtos agrícolas, artesanais, gastronômicos, uma infinita diversidade que bem representa a luta pela sobrevivência dos quilombolas.
            O que se viu nessa feira foi o rosto de trabalhadores que com o suor de seu rosto buscam formas de trabalho aliado às suas matrizes culturais com o intuito de prover o sustento de seu corpo e da sua alma. Do que se depreende das declarações de Bolsonaro, a preocupação dele não é com a vida dessas pessoas, mas com as “riquezas” dessas terras e com a possibilidade de exploração das mesmas, não por quem legitimamente as possui hoje, mas, provavelmente por aqueles que sempre usurparam e exploraram o trabalho dos menos assistidos. Novamente se vislumbra a tragédia de nossa história escorada em genocídios, torturas, exploração e perseguição ao povo brasileiro.
            Porém, a Feira Quilombola do SESC Sorocaba teve a felicidade de proporcionar um contraponto a tudo isso. Mostrou a realidade vivida por essas comunidades e revelou o trabalho e a valorização cultural que se prima nesses territórios.
          Muito distante da preconceituosa e infeliz declaração do deputado que costuma utilizar-se de pirotecnias para exaltar a sua figura, já que lhe faltam outros predicados. Uma visão política distorcida aliada a uma falta de programa político. Parece que já vimos algo semelhante na eleição de 1989. E o arrependimento amargo que nos sobreveio poucos anos depois.

Carlos Carvalho Cavalheiro

14.11.2017